terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Por que o cânone musical ainda prevalece?

Não sei se posso dizer assim, mas se na Literatura existe livros que são consagrados, que se perpetuam através dos tempos e vez por outra são relidos, e revisitados de formas cada vez mais inusitadas, pensei em considerar, também, grandes composições musicais em cânones.
Por que é que, afinal de contas, grandes compositores brasileiros nunca morrem? Quero dizer, por que, mesmo depois de mortos, suas canções continuam fazendo sucesso e sendo regravadas por muita gente boa? Há que se ter uma explicação para isso.
Quando os críticos literários e muitos escritores disseram que para se criar a ficção é necessário se debruçar sobre a palavra, articulá-la e despojá-la esteticamente, aliando-a aos aspectos sociais, eles estavam dizendo que qualquer produção artística, por mais simples que pareça ser, não nasce do nada. E nem pode nascer...
Homero, ao produzir Odisséia, por exemplo, não utilizou apenas sua imaginação. Ele fez muito mais. Fez um grande trabalho artesanal, em que aliou aspectos mitológicos, do imaginário popular, à elementos reais, psicológicos, inerentes a própria problemática humana. E o resultado? Bem, o resultado é a leitura incessante dessa obra, traduzida nas mais diversas línguas, citada em milhares de pesquisas e, indiscutivelmente, consagrada e considerada imortal.
O mesmo considero para a música. Por que será que faz tanto tempo que não ouvimos uma canção de efeito, marcante e significativa? Que não somente nos retire de nossa realidade, mas que nos faça tomar consciência de nossa condição de criaturas fraudadas, talvez de amor, de possibilidades, de mudança de vida? Porque as músicas que estamos vendo ultimamente, são meras repetições de palavras desconexas, sem sentido, acompanhadas de batidas fortes e ritmadas, que influenciam os ouvintes a programar uma coreografia e aí, pronto, a música já vira moda nacional.
É por essas e outras razões que de uma hora para outra, nasce um cantor novo. Mas será que podemos considerar cantor, o autor de frases como: “Ai se eu te pego”, por exemplo?
Bem, acho que o fazer musical não é bem isso. Adélia Prado e Manoel de Barros estão aí e não me deixam mentir. Eles sabem o que estou querendo dizer...
Para meu alívio, entretanto, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil (sem contar os monstros da Bossa Nova e de toda a MPB) a cada dia são relembrados, e regravados, e revividos. E continuam nos emocionando, nos tocando profundamente e nos purificando, não só nossos ouvidos, mas nossas almas e espíritos.
Porque Chico, Gil e Caetano não dizem, sugerem; não revelam, insinuam... e a gente pode viajar, pensando em mil coisas sobre o eu-lírico, ou simplesmente não pensar em nada, e só curtir apaixonadamente...

Por Thaís Silva

Abaixo, eis a prova do que eu estava dizendo:

Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas depois, como era de costume, obedeci.
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando,
Me pego cantando, sem mais, nem por quê.
Tantas águas rolaram,
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você.
Quando talvez precisar de mim,
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você diz.
Quero ver como suporta me ver tão feliz.
                                                   (Chico Buarque – Olhos nos olhos)

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