Antes mesmo das discussões do Movimento
Modernista, nos idos de 22, promover discussões no que diz respeito ao fazer
literário, escritores consagrados pelo cânone acadêmico, no século XIX, já
teciam comentários sobre questões relacionadas ao autor e o seu público.
O
exemplo mais pungente que destacamos aqui é o do escritor e crítico Machado de
Assis, principalmente porque, entre outras coisas, sua produção ficcional
consolidou o campo das letras e se perpetuou até os dias atuais, como o marco
de um estilo literário que serve de referência para muitas produções
ficcionais.
Segundo
Machado (cuja crítica pode ser analisada em seu célebre texto, “Instinto de
nacionalidade”), qualquer que seja o assunto a ser tratado numa obra, de algum
modo o romancista deixará transparecer certos traços de seu contexto
sócio-cultural, de sua região de origem. De forma alguma, porém, tal
característica deve ser vista como sinônimo de defeito ou sintoma negativo,
pois, ao contrário, os aspectos referentes à sua região, revelam certa
consideração do autor pelo seu ambiente natural, por suas próprias raízes.
Entretanto,
quando nos deparamos com taxações do tipo ‘literatura regionalista’, nos vemos
novamente em face das propostas machadianas e, volta e meia nos perguntamos se era
esse tipo de regionalismo a que o grande crítico outrora se referia. Afinal,
elucidar traços de determinada região do país seria suficiente para identificar
determinada prosa ficcional como regionalista? Creio que a noção regional
proposta por Machado era algo que buscava ir além.
Os
aspectos relacionados a cenários, ambientes, descrições e detalhes de lugares,
mostram-se como fortes aliados na composição de uma ideia de pertencimento do
autor com seu contexto natural. Tal recurso se mostra ainda mais significativo
quando criado num movimento de abertura da obra para recair no assunto em que
ela propriamente focará. O Rio Grande do Sul, por exemplo, é introduzido na
mente do leitor para, em seguida, respaldar a história que compõe a narrativa
de Incidente em Antares, de Erico
Verissimo. No entanto, o espaço gaúcho não é o destaque da obra, mas um adendo
à narrativa.
Por
esse viés, podemos supor que muitas das obras tidas como regionais, ou o
fizeram inconscientemente, ou desenvolveram artifícios para atrelar o enredo
ficcional à história da identidade de sua região. Exemplos disso podem ser
encontrados em Dona Flor e seus dois
maridos, de Jorge Amado (para citar apenas uma das muitas obras do autor
que reconstroem a Bahia, em muitas aspectos sociais e culturais) e João
Guimarães Rosa, com sua mineiridade perceptivelmente incorporada em seus
contos.
Mas
me refiro também às nuances inconscientes do escritor frente à sua criação,
justamente para justificar aqueles casos em que falar de sua própria região não
é algo premeditado, simplesmente acontece, como o caso de Rachel de Queiroz.
“Mas a ficção funciona assim, você não sai da sua origem, não importa onde você
esteja” (QUEIROZ, 1997, p. 36).
Todas
essas facetas do regionalismo implica em reconhecer que seu conceito é
problemático e que, talvez, tenha sido muito usado de forma ‘pouco rigorosa’,
como conceitua José Hildebrando Dacanal.
Mas
se de fato, retornarmos aos conceitos tão antigos, porém jamais ultrapassados,
de nosso mestre, Machado de Assis, perceberemos que ser verdadeiramente
regionalista é transcender os limites de seu próprio território; é partir dele
sim, mas rumo a aspectos fora do espaço; é integrar a obra nos reflexos
ideológicos, culturais, da mentalidade de uma determinada época, e explicar-lhe
a razão de ser.
Depois
disso, talvez, nossa visão sobre o caráter regionalista se amplie um pouco, e
grandes referências literárias como Os
Lusíadas, por exemplo, passem a nos fazer mais sentido. Não quero com isso dizer que toda obra
passará a ser regional só porque trata de seu meio; mas realçar que a
verdadeira magnitude literária é justamente aquela que em que o autor se faz
homem de seu espaço e de seu tempo, sem se ater exclusivamente a eles. Eis Dom Casmurro, para nos comprovar isso.